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Partido Popular
Apontamentos de etnografia eleitoral
A doxa democrática fai pensar as eleiçons só como juízos políticos, mas também som o momento dumha divisom trabalhosamente conjurada, onde o PP soube hegemonizar isso que é percebido como “apolítico”.
No último domingo eleitoral, depois da precetiva churrascada familiar, fum votar à mesa instalada na escola unitária da paróquia. O acontecido ali, precisamente polo que tem de ordinário e pouco surpreendente, dá para umha brevíssima etnografia eleitoral acerca de como se vive e constrói “a política” em tantas paróquias rurais e bairros urbanos do país, assim como a hegemonia do PPdeG nelas. Continuo desta maneira outras duas que me parecem excelentes, umha de Sara Guerrero e outra que Sonia Díaz partilhou em Twitter contando a sua experiência como vogal numha mesa do rural compostelano.
Política
Feijóo, o PPdeG e a hegemonia
A perspetiva oferecida nom pretende ser, nem muito menos, totalizadora, nem sequer representativa da maioria dos casos, só quer chamar a atençom para umha das maneiras em que funciona a política numha paróquia como a minha, eminentemente rural, em grave crise demográfica (perdemos 20% de populaçom no que decorreu de século) e com umha renda por habitante de apenas 9.497€. Para tirar da cabeça quanto antes a questom demoscópica, aqui secundária, adianto que os resultados fôrom: primeiro o PP, com 39% de censo; segundo a abstençom, com 35%; e terceiro o BNG com 17%. Também Vox obtivo 2 votos.
Conjurar o partido (‘dividido’, ‘quebrado’)
Um dado ineludível é que o pretendido etnógrafo é um ex-preso político, razom pola qual o leitor ingénuo ou hiperideologizado poderia esperar umha cena mui tensa na votaçom, quase de western, com umha entrada desafiante pola porta do saloon, voto dissidente em mao, acaparando todas as olhadas ameaçantes dos vaqueiros da direita postados no balcom. Nada mais longe da realidade. Na entrada da sala, falando distentidadamente, estavam as duas únicas interventoras —representantes dos dous partidos verdadeiramente “nacionais”: o PPdeG e o BNG—, as primeiras em saudarem amigavelmente. Nesse momento eu era o único votante, polo que antes de ir à urna estivem um bom pedaço a falar com elas da saúde da família e essas cousas importantes, enquanto as da mesa já me iam riscando da lista de votantes. Porque, obviamente, nom tivem que dar nome e apelidos nem mostrar o bilhete de identidade, ou nom é que “aqui nos conhecemos todos”?
Na conversa as duas pessoas que estavam de interventoras —ambas as duas conhecidas, amigas e apreciadas— contavam-me que já eram as terceiras eleiçons em que coincidiam na mesma mesa e que estavam encantadas de que fosse assim, pois outros interventores, “de qualquer partido, do meu, do seu ou de qualquer outro, isso nom tem nada que ver”, às vezes nom eram tam tratáveis. Em concreto referiam-se a outra paróquia à que era habitual que fosse a Guarda Civil durante as eleiçons. Há que dizer que quem mais insistia nisto, na boa relaçom vizinhal e o companheirismo para além dos partidos de cada quem, era o interventor do PPdeG. Estava a assistir —e a participar ativamente, embora sem dar-me conta até pôr-me a escrever— a isso que o sociólogo Patrick Champagne chama “trabalho coletivo de neutralizaçom”, mediante o qual se conjura o risco de divisom que a política dos partidos pode introduzir na comunidade, reelaborando sem cessar o ideal da boa vizinhança. E isto é especialmente assim no próprio dia da votaçom, onde mesmo pareceria de mal gosto pôr-se a falar de partidos no colégio eleitoral e a gente parece que se esforça ainda mais polas conversaçons de cuidado mútuo (“já está melhor a tua avoa? dá-lhe recordos”), com os interventores a insistir em irem eles mesmos à taberna por umhas bebidas fresquinhas para todas, e que “que má sorte as pessoas da mesa, tocar-lhes esse trabalho tam desagradável num domingo, se nom fosse pola companhia e a conversa...”.
Estava a assistir a isso que o sociólogo Patrick Champagne chama “trabalho coletivo de neutralizaçom”, mediante o qual se conjura o risco de divisom que a política dos partidos pode introduzir na comunidade, reelaborando sem cessar o ideal da boa vizinhança
Em L’heritage refusé. La crise de la reproduction sociale de la paysannerie française 1950-2000, Champagne detinha-se a explicar como a política de partidos era percebida nas comunidades rurais francesas, com um elevado grau de interdependência, como umha divisom fundada em princípios exógenos que se deviam evitar constantemente. Quando a divisom política ameaçava com emergir as técnicas de conversaçom com as suas frases estandarizadas (“todas as ideias som respeitáveis”, “cada quem guarda as suas ideias para si”) apressuravam-se a impedir que a discussom fosse tomada a sério e que pudesse mobilizar realmente as pessoas em funçom das categorias políticas. Dentro da racionalidade da vizinhança, enfadar-se com alguém com que hás de tratar (e depender) a diário “por política” é tanto como enfadar-se “por nada”. De facto, a estatística citada por Champagne mostrava às claras que a política era um dos últimos motivos (só em 8% de casos) dos desencontros entre vizinhos, mui por baixo de outras questons mais práticas e do dia-a-dia. Isto explica, assim mesmo, a literalidade com a que se entende o voto secreto, e o desconcerto que muitas pessoas da paróquia comentaram polo facto de o BNG enviar umha única papeleta por casa, o que quase equivalia a instaurar umha restriçom censitária invisível.
Nom pretendo, em nengum caso, minimizar os efeitos que nesta relaçom com a política pode ter o trauma do golpe fascista de 1936 nem a prolongada resistência guerrilheira, que nesta zona nom finalizou até 1952. De facto, nas três paróquias que abrange esta seçom eleitoral houve até quatro sociedades agrárias durante a II República, mui fortes e mui combativas. Ora bem, nom há que esquecer que a lógica política com que operavam estas sociedades agrárias e obreiras era mui parecida: ao fundarem-se, antes de mais, luitavam por atingir o monopólio da representaçom da paróquia, pois só podiam articular-se legitimamente se toda a paróquia formava parte das mesmas em bloco, de maneira que nom se produzisse a temida divisom política, o qual poderia resultar letal numha sociedade em que a ajuda mútua (a interdependência) entre casas era fundamental. Dito de outra maneira: a pré-condiçom era a unidade, nom ser um “partido” no sentido mais etimológico, e por esta mesma razom dava-se (distorcendo o conceito de Félix Patzi) umha espécie de “autoritarismo baseado no consenso”, pois a unidade paroquial dentro da sociedade agrária conseguia-se através de pressons ou boicote às casas reunentes a associar-se, podendo ir da negativa a ajudar-lhes nas tarefas agrárias coletivas ou a proibiçom de participar nas festas, até às sabotagens às suas propriedades.
A estatística citada por Champagne mostrava às claras que a política era um dos últimos motivos (só em 8% de casos) dos desencontros entre vizinhos, mui por baixo de outras questons mais práticas e do dia-a-dia.
Contudo, Champagne —ao igual que me explicou o interventor do PPdeG— notava bem que as eleiçons mais próximas, as locais, sim eram vividas com umha paixom que contrastava enormemente com a morneza ou mesmo indiferença com a que decorriam as eleiçons regionais ou estatais. E é que, nas municipais, entram em jogo as lutas de poder entre façons já reconhecidas na comunidade, tais como bandos familiares poderosos, muitas através das siglas dos partidos nacionais. Jonathan Spencer deixou umha magnífica etnografia acerca de como em Sri Lanka “os habitantes locais se apropriaram das instituiçons da democracia representativa como espaços rituais em que elaborar os seus próprios dramas morais” e renegociarem os seus interesses, sem demasiada conexom ideológica direta com as luitas dos partidos no âmbito nacional.
O partido da apolítica
Continuando com Champagne, os camponeses costumam adoptar “a posiçom que lhes parece a mais neutral e a menos marcada com o signo da divisom social (e nom só política), a saber, o “centro” (...)”. Bourdieu e Passeron sinalaram essa sorte de efeito de exame que os inquéritos e as eleiçons produzem nas classes populares: já que a probabilidade de ter umha opiniom formada sobre um tema (como o de que partido deve governar) nom está distribuida de forma uniforme entre as classes sociais, sendo muito maior a sensaçom de nom estar legitimado para dar umha resposta entre as classes mais despossuidas material e culturalmente, quando estas som colocadas perante a situaçom de terem que dar a sua opiniom costumam sentir-se mais julgadas ou examinadas do que realmente consultadas. Umha olhada às estatísticas do CIS, e nom só às eleitorais, é bastante reveladora desta tendência às respostas nom comprometidas e à procura da neutralidade. Eis, sem ir mais longe, a enorme preferência nas autodefiniçons identitárias pola fórmula “tam galego como espanhol”. As pessoas que trabalham em inquéritos na Galiza destacam o constante uso de fórmulas evasivas como resposta habitual (“eu disso nom che sei”, “disso nom entendo”), e mesmo é frequente que as mulheres idosas, as que se sentem menos legitimadas para terem umha opiniom própria, se fagam passar por pessoal de serviço para nom responder (“chame mais tarde, que agora a senhora da casa nom lhe está”).
Mas todo isto leva-nos à questom estratégica: a maneira em que o PPdeG soubo conetar com estas lógicas para forjar a sua hegemonia política nos terrenos mais decisivos e eficazes para a mesma, aqueles que som vividos espontaneamente como “apolíticos”. É este “centro”, e nom um hipotético ponto intermédio entre eles e o PSdeG-PSOE, o que conquistou o PPdeG, em algumhas partes mimetizado-se praticamente como a apolítica. Se observamos a crítica que Raúl Zibechi fai da esquerda ortodoxa, essa que nunca está disposta a considerar que as relaçons sociais quotidianas tenhem tanta importância ou mais que o sindicato ou o partido, que a comunidade (entendida como tecido de relaçons afetivas em que as pessoas som um fim em si mesmas) conta mais que a associaçom (onde as pessoas se tornam em meios para conseguir uns fins políticos), acabaremos por descobrer no anverso a prática do PPdeG no rural, que trabalha continuamente, “por baixo”, a sua hegemonia através das relaçons apolíticas (e mesmo com um discurso explicitamente antipolítico), mas nom obecendo a umha conspiraçom ou a um plano premeditado em algum gabinete, senom de maneira orgânica. Isto nom significa que nom haja planificaçom, mas esta está noutra parte, “por riba”.
O partido sabe de todas essas profissons que Max Weber identificava como mais propícias para a política, pois eram as que acumulavam mais rede social e, portanto, maior capacidade de influência
Avonda deter-se a pensar onde é que o PPdeG recruta os seus quadros para os níveis mais capilares e em que espaços atuam estes para dar-se conta de que nom tem nada a ver com o habitual hoje na militância política de esquerdas. O partido sempre sabe dessa taberna onde param todos os homens à volta do trabalho e onde decorrem todos os debates políticos informais da vizinhança. Sabe também desse moço tam trabalhador e educado com todo o mundo que treina os rapazes na equipa de futebol da paróquia e tem vontade “de ajudar”. Sabe, enfim, de todas essas profissons que Max Weber identificava como mais propícias para a política, pois eram as que acumulavam mais rede social e, portanto, maior capacidade de influência. Polo geral as suas listas eleitorais aos concelhos som um exemplo magnífico de conhecimento sociológico. Nelas podem-se identificar sempre os líderes naturais de cada paróquia, gente quase sempre “apolítica” mas que representa um nó importante de relaçons sociais, de entre-ajudas e de reciprocidades, e que muitas vezes foram cooptados porque eles próprios entendem que, “metendo-se em política” (algo que amiúde julgam como “sujo”), vam poder ajudar à sua paróquia estando mais perto do poder. Os terrenos em que atuam som precisamente os vividos mais diretamente como apolíticos: organizando as festas, o grupo de gaitas, a associaçom de vizinhos, a comunidade de montes, indo cada pouco à casa do concelho para que passem a desbroçadora polos caminhos… E discursivamente o seu terreno de desputa nom é outro que o da definiçom legítima de “o apolítico”, o que está fora de toda discusom, o sentido comum. Claro que os há mui reacionários e amigos dos grandes exabruptos na taberna, mas nom creio que esses sejam os mais influintes nem os mais importantes. A nível local mesmo podem resultar tam molestos como lhe resultava Álvarez de Toledo a Feijóo e à sua estratégia hegemónica.
Por todo o apontado, o PPdeG entende mui bem a falácia disso que Bourdieu chamou a “dóxa ‘democrática’”, aquela que “fai da eleiçom política um juízo, e um juízo puramente político, ao utilizar princípios explicitamente políticos —e nom os esquemas práticos do éthos por exemplo— para dar umha resposta articulada a um problema entendido como político”. Enquanto a oposiçom atue conforme a essa dóxa estreita, desprezando ou ignorando outras lógicas políticas, a direita continuará a monopolizar o espaço da “apolítica”. Há umha cena de Novecento que nos encanta a todas, essa em que Olmo, quando os companheiros desolados lhe perguntam “como vamos a continuar adiante sem o partido”, responde com esse “o partido, sim. Vaia desculpa! O partido és ti e sabe-lo. É Eugenia, é Enzo, é Armando. E ademais ao cruzar o rio está a família Azzalli (…) Aí está, em toda a parte onde há alguém que trabalha, aí está o partido.” Pois bem, “o partido”, na Galiza, é o PPdeG. Vencê-lo passa necessariamente por dotar-se dumha estratégia hegemónica que parta do sentido comum popular e das suas lógicas.
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Por fin alguén que explica porque arrasa o PP en Galiza sen decir que seus votantes so todos uns paletos (que tamén as veces). Moi bo e certeiro analise.
Ótimo artigo, obrigado! O que experimentamos como sentido comum apolítico é um efeito do poder e o PPdeG sabe vestir moi bem essa capa de "invisibilidade". Porém, esse sentido comum é anterior a própria existência dos quadros políticos do PPdeG, que tenhem a inteligência social de confundir-se com ele, de "ser-em-ele”. Mas no que a proposta final diz respeito, o que seria que cómpre exactamente incorporar dessas lógicas do "sentido comum popular" na estrategia pola hegemonia para ocupar o espaço da apolítica? Apenas ser “tratável”? É um bom começo, mas tenho a suspeita que um projeto tal que passasse por apolítico nem poderia problematizar, e menos ainda cambiar, as estruturas que permitem a existência do ódio antigalego, do sexismo, do racismo, do capacitismo, do classismo, e que che vou contar mais. Atualmente as soluçons estabelecidas polo "sentido comum" para essas eivas e opresons som o bilinguismo, o multiculturalismo, o consumismo e as noçons liberais de igualdade e de inclusom que correspondem com os interesses de quem hoje acumula o poder económico e simbólico ou de quem aspira a conseguí-lo. O que acontece precisamente é que se saíres desses marcos conceptuais, quebras a paz comunitária porque a tua prática política e social deixa de ter sentidinho. Como podemos logo rachar com a janela de Overton nacional? É a soluçom alternar mais nas sessons vermú da nossa vila? Concordo completamente com que a esquerda precisa abandonar a sua rigidez militante e compôr alianças e afectos além das ideias. Mas nom sei se este artigo se poderia inscribir na longa tradiçom da nostalgia pola existência dum antagonista político de direita na Galiza que deixe de representar os interesses das classes dirigentes espanholistas e o projecto linguístico e cultural assimilador que tenhem para o país. Bom, som saudades que eu também comparto mas acho que um projecto social e político soberanista e de esquerda pode ser tudo menos transparente, implícito ou como tu descreves, experimentado como apolítico.